Lei Maria da Penha completou 19 anos
Legislação trouxe mudanças essenciais para fortalecimento da rede de proteção das mulheres

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11340/2016) completou 19 anos de sua promulgação nesta quinta-feira (7/8). A legislação se tornou um marco no Brasil em relação à proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar. Na quinta (7) também iniciou, na Escola Judicial de Pernambuco (Esmape), do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), em Recife, a XIX Jornada Lei Maria da Penha, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O evento, que se encerra nesta sexta-feira (8/8), conta com a participação de autoridades do Sistema de Justiça, representantes da sociedade civil e integrantes das redes de proteção às mulheres.
Desde 2007, o CNJ realiza a Jornada Lei Maria da Penha para celebrar o aniversário de sanção da Lei nº 11.340/2006. Ao final de cada edição, é produzida uma "Carta da Jornada", na qual são apresentadas propostas de ação voltadas ao aprimoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
Avanço real
Segundo a superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargadora Evangelina Castilho Duarte, a Lei Maria da Penha foi um avanço real na proteção da mulher porque, anteriormente, os processos abertos pelas vítimas agredidas tramitavam com a tipificação de ameaça ou lesão corporal, o que gerava "penas muito baixas e quase nenhuma efetividade".
"Hoje, as penas já são mais altas, a conscientização da população é bem maior, as mulheres já sabem onde buscar ajuda e os juízes estão se especializando. Ainda temos muito para melhorar, precisamos de mais agilidade nos processos e atendimentos, mas já avançamos muito. Saímos do zero, ou de abaixo do zero, e chegamos a uma posição bem efetiva de proteção."
A desembargadora destacou ainda uma ação da Comsiv, que é a proposta de instalação, em todos os fóruns mineiros, de salas de acolhimento para vítimas de violência doméstica e familiar.
"Vamos progredir com essa ideia, mas existem muitos fóruns antigos e outros com espaço inadequados, que precisam de avaliação. Sabemos como o espaço de acolhimento é relevante para que as mulheres vítimas de violência possam prestar depoimento com tranquilidade, com respeito e com todo o carinho que merecem."
A desembargadora Evangelina Duarte ressaltou que houve aumento no número de processos e de agressões aumentou, porque as pessoas estão buscando por ajuda.
"Já estive em comarcas em que as notificações eram apenas de ameaça e lesão corporal leve. Depois de muito esforço, essas agressões passaram a ser enquadradas na Lei Maria da Penha, como violência contra a mulher e violência doméstica. Então, esse número aumenta e a tendência é aumentar, até chegar a um ponto em que vai diminuir, porque a população vai se conscientizar."
Ela destacou que as mulheres precisam se conscientizar para não serem vítimas do ciclo de violência: "É muito importante agir logo no primeiro caso de ofensa ou violência psicológica, e pedir ajuda. Procurem apoio, porque a violência é progressiva e só tende a aumentar."
Juizados
Uma das novidades criadas pela Lei Maria da Penha foram os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Atualmente, na Comarca de Belo Horizonte, existem quatro desses juizados especializados, com competência Cível e Criminal. Nas seguintes comarcas do interior do Estado, existem Varas Especializadas em Violência Contra a Mulher: Barbacena, Conselheiro Lafaiete, Contagem, Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros, Pouso Alegre, Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Ubá, Uberlândia e Unaí.
No fim de julho deste ano, foi anunciada a criação de uma vara especializada na Comarca de Contagem, na Grande BH, e, nesta sexta-feira (8/8), será instalada uma na Comarca de Uberaba, no Triângulo Mineiro.
Nas demais comarcas mineiras, as Varas Criminais são responsáveis por julgar os processos relacionados à violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Números
Até junho de 2025, Minas Gerais registrou 476 casos de feminicídio, 39.645 ocorrências de violência doméstica e 28.640 processos de medidas protetivas (concedidas, denegadas, revogadas, prorrogadas e concedidas por autoridade policial que foram homologadas ou revogadas).
Esses números fazem parte da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Veja abaixo uma análise comparativa de dados de 2020 a 2025, do DataJud, compilados do TJMG em relação ao total de ocorrências no País:
Em relação aos anos de 2010 a 2019, a Secretaria de Suporte ao Planejamento e à Gestão da Primeira Instância (Seplan) da Corregedoria-Geral de Justiça do TJMG, por meio do Centro de Estatística Aplicada à Justiça de Primeira Instância (Cejur), levantou os seguintes dados, referentes à Corte mineira:
"Restaurar"
Muitos projetos em Minas buscam conscientizar a população e contribuir para a diminuição dos casos. Na quarta-feira (6/8), foi realizada mais uma edição do "Restaurar -- Programa Multidimensional de Atendimento na Violência contra Mulheres, Crianças e Adolescentes", idealizado pelo juiz Jorge Arbex Bueno, da 2ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de Caratinga. Cerca de 100 agressores participaram da ação educativa.
O "Restaurar" é uma prática com ênfase na reeducação de autores de violência e apresenta resultados concretos na redução da reincidência e ampliação da rede de proteção. Os agressores participam de um curso para reeducação e conscientização. A iniciativa foi implantada em 2021 na Comarca de Araçuaí, que compreende seis municípios, e estendida para a Comarca de Caratinga, com 11 municípios.
Durante o programa são realizadas audiências, atendimentos psicossociais individuais e coletivos, entrevistas e palestras. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) participam das audiências e acompanham os envolvidos e fiscalizam o cumprimento das medidas de proteção.
Outra iniciativa é da juíza coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da da Comarca de São Domingos do Prata, Vaneska de Araújo Leite, que desenvolve um trabalho educativo sobre feminicídio e violência doméstica. A magistrada concedeu entrevista à Rádio TJ Minas sobre o assunto.
"Agosto Lilás"
Como forma de conscientizar a população sobre a importância da rede de proteção às mulheres, neste mês, é realizada a campanha "Agosto Lilás".
O principal objetivo é divulgar os direitos das mulheres em situação de violência e os serviços de apoio disponíveis, além de promover a prevenção e o enfrentamento.
Um dos canais é a Central de Atendimento à Mulher -- Ligue 180, um serviço de utilidade pública gratuito e que funciona 24 horas, todos os dias da semana.
Dentro dos eventos do "Agosto Lilás", será realizada a 30ª Semana da Justiça pela Paz em Casa, entre os dias 18 e 22/8. A campanha é promovida pelo CNJ em parceria com os Tribunais de Justiça estaduais, com foco em acelerar o julgamento de processos relacionados à violência doméstica e familiar contra mulheres.
A Comsiv do TJMG também promoverá diversas atividades, incluindo palestras, manifestações artísticas e ações solidárias que pretendem informar, empoderar e acolher mulheres. Elas podem ser acompanhadas nas redes sociais da Corte mineira.
Um exemplo é a campanha "Você conhece pelo menos uma mulher que sofre ou sofreu violência doméstica. Isso não é uma pergunta", lançada pelo TJMG para sensibilizar a população quanto ao tema.
Outra campanha, intitulada "Rede que Acolhe", foi lançada no começo de agosto em Belo Horizonte. O intuito é a arrecadação de roupas, calçados, bolsas, acessórios femininos e infantis em bom estado para mulheres vítimas de violência e seus dependentes. As doações podem ser feitas até 22/8.
Com o tema "Violência doméstica, gênero e empoderamento", o canal oficial da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef) no YouTube transmitirá, na terça-feira (19/8), das 10h às 11h, a palestra ministrada pela doutora em Direito Penal Alice Bianchini, conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas (ABMCJ).
Em 21/8, a juíza Cibele Mourão Barroso de Figueiredo Oliveira, da 2ª Vara Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Vespasiano e integrante da Comsiv, profere aula magna da Faculdade de Ciências Médicas, em Belo Horizonte. Na exposição, a magistrada vai abordar o combate à violência doméstica.
No dia 22/8, será realizada uma edição especial do Cineclube TJMG, com exibição de um filme sobre a temática da violência doméstica e familiar e depoimento de uma vítima que conseguiu escapar do ciclo da violência e superar o trauma sofrido.
"Também vamos realizar palestras em escolas e empresas pelo interior, como em Pedro Leopoldo e Ponte Nova, entre outras comarcas", acrescentou a superintendente da Comsiv, desembargadora Evangelina Castilho.
Ainda como parte do "Agosto Lilás", o canal oficial do TJMG no YouTube disponibilizará a websérie "Como Agir", em 10 episódios. O objetivo é conscientizar a sociedade sobre os padrões de violência doméstica e levar informações a vítimas, amigos e familiares sobre como romper o ciclo de violência.
A produção apresenta histórias de mulheres que são submetidas a diversos tipos de violência doméstica e começam a se questionar sobre o que fazer e como agir diante dos ataques sofridos. Os casos se assemelham a situações vivenciadas por inúmeras brasileiras que se encontram hoje em relacionamentos abusivos.
Instituições unidas
Parceiras do TJMG nas ações de fortalecimento da rede de proteção às mulheres estão instituições como a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG).
Esses órgãos possuem coordenadorias especializadas e realizam ações educativas para coibir as agressões e ajudar na conscientização sobre a Lei Maria da Penha.
Diferentes mulheres, representantes do TJMG e dessas instituições parcerias, concederam entrevista sobre o tema. Todas concordaram que os números da violência aumentaram no Estado, mas grande parte como resultado do aumento das denúncias e da busca por ajuda por parte das vítimas.
Responsável pela Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Juiz de Fora, a juíza Maria Cristina de Souza Trúlio, destacou que, mesmo antes da promulgação da Lei nº 11.340/2006, o Código Penal abrangia crimes que geravam a responsabilização penal de réus que praticavam agressões ou ameaças contra vítimas mulheres. A diferença é que os crimes não eram tipificados como temos hoje na Lei Maria da Penha, voltados à relação doméstica, familiar ou de afeto entre o agressor e a vítima.
"A mudança legislativa trouxe, antes de tudo, grande visibilidade para a questão da violência contra mulheres no âmbito doméstico e familiar, impondo maior respeitabilidade aos tipos penais, os quais estabelecem penas mais rigorosas do que as anteriormente previstas", disse.
A coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAO-VD) do MPMG, promotora de Justiça Denise Guerzoni, considerou que a lei "fez uma diferença extremamente positiva" na vida das mulheres.
"Ela se constitui em um marco protetivo amplo, trazendo o instituto das medidas protetivas como ponto central de proteção da mulher vítima de violência doméstica. A norma trouxe o conceito formal da violência de gênero e seus tipos, e organizou o arcabouço protetivo daí derivado, tendo sido acomodada ao longo de sua vigência à realidade social, jurídica e cultural", afirmou.
Para a coordenadora Estadual de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da DPMG, defensora pública Luana Borba Iserhard, a Lei Maria da Penha mudou a história de muitas pessoas.
"No cotidiano da Defensoria Pública, acompanhamos de forma direta trajetórias de mulheres que, a partir das transformações trazidas por essa legislação, conseguiram romper ciclos de violência e construir novos caminhos, pautados pela liberdade, pela dignidade e pela possibilidade de uma vida feliz."
A delegada de Polícia Patrícia Godoy, que atua em Betim, também defendeu que a Maria da Penha foi um divisor de águas na legislação brasileira, trouxe maior visibilidade ao tema e permitiu avanços significativos tanto no aspecto repressivo quanto no aspecto protetivo da atuação estatal.
"A norma trouxe mecanismos importantes para garantir a integridade física, psicológica, patrimonial, sexual e moral das mulheres vítimas de violência, como a concessão de medidas protetivas de urgência, a ampliação das possibilidades de responsabilização do agressor, e a institucionalização de políticas públicas voltadas à prevenção."
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Fonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais -- TJMG/Foto: O Tempo